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Diante da encruzilhada – Intelectuais de diversas vertentes apontam as saídas para o Brasil em A Volta do Estado Planejador

Brasil enfrenta desafios históricos. Livro 'A Volta Do Estado Planejador' analisa trajetória e sugere saídas. Destaque para reforço do Estado na reconstrução pós-pandemia

Matéria publica pelo jornal CartaCapital, escrita por Eleonora de Lucena em 03 de Fevereiro de 2022. Confira clicando aqui!

Um país agrário e exportador submetido aos interesses estrangeiros. Esse era o projeto para o Brasil de parte das elites do século passado. Colonizadas e sempre de costas para a maioria da população, rejeitaram a industrialização, a criação da Petrobras, a reforma agrária, os direitos trabalhistas. Contra avanços civilizatórios tramaram golpes.

Apesar do constante esforço regressivo dos antipovo, o Brasil conseguiu construir um Estado, essencialmente a partir da Revolução de 1930, transformando-se numa sociedade complexa e desigual. Agora, na terceira década do século XXI, a questão sobre o projeto de país volta em um contexto dramático. Em meio à mortandade provocada pela pandemia – multiplicada pela política genocida de Bolsonaro, crescem a fome, o desemprego, a falência, a pobreza. Neste pântano falta futuro para a maioria.

Mas 2022 traz uns daqueles momentos de encruzilhada em que, mantidas as regras do jogo, será possível deixar para trás esses anos de trevas. Nessa provável mudança, o papel de um Estado fortalecido surge como vital na reconstrução da nação, isolando os que teimam em transformá-la em quintal. Por isso, é muito bem-vinda a edição de A Volta Do Estado Planejador, Neoliberalismo em Xeque. Organizado por Gilberto Maringoni, professor de relações internacionais da UFABC, o livro reúne textos de 26 intelectuais, especialmente economistas e sociólogos, que refletem sobre a trajetória brasileira e apontam saídas para o pesadelo atual.

Nesse caleidoscópio estão diferentes gerações e enfoques. Os autores tratam de momentos cruciais na história, do pensamento desenvolvimentista, da indústria, da questão energética do emprego, do exemplo chinês e de outros países, da moeda, das mulheres, do racismo estrutural, de lutas sociais, dos desafios políticos em ano eleitoral. O ponto de convergência é a necessidade de pensar objetivos que tenham como pilares as necessidades dos brasileiros. O que só é possível com o Estado.

A pandemia deixou escancarada essa realidade. Salvar vidas, seja organizando os serviços de saúde, seja realizando programas de apoio à população e às empresas, é tarefa do Estado. O neoliberalismo, que sempre tentou toldar esse fato, foi derrotado nos hospitais, nos postos de vacinação, na solidariedade que brotou nas quebradas e nos confins. “A emergência da crise sanitária a partir de 2020, combinada com a recessão econômica na quase totalidade dos países, recoloca na agenda política e na pauta acadêmica o debate sobre o Estado como agente fundamental do desenvolvimento. Abre-se uma janela de oportunidades para a superação do neoliberalismo e da ideia do mercado com organizador da sociedade”, ressalta Maringoni.
O economista Luiz Gonzaga Belluzzo assina o prefácio da obra, confrontando “os caipiras-cosmopolitas – aquela malta que circula pelo mundo, sem entender nada do que acontece”.  Condena a abertura da economia, a liberação financeira, o recuo do Estado, as privatizações, a flexibilização do mercado de trabalho e a reforma da Previdência. “O liberalismo à brasileira almeja empreender uma reforma do Estado, conluiando-se com as forças políticas do País e entregando a soberania aos caprichos dos mercados. Trata-se, a certamente, de uma das mais engenhosas arrumações que a velha oligarquia brasileira imaginou para continuar no papel de sátrapas do Império”, escreve.

O Brasil viveu seu ponto histórico de virada com Getúlio Vargas. No livro, Pedro Dutra Fonseca (UFRGS) e Ivan Salomão (UFPR) descrevem como o varguismo costurou uma confluência rara de interesse de diferentes grupos (agrários, militares, empresariais, de trabalhadores, das classes médias) para deslanchar um novo projeto, no qual “o governo incumbia-se de tarefa para a qual nunca havia sido acionado: liderar o País rumo ao desenvolvimento”.

“O projeto econômico levado a cabo não irrompeu de forma espontânea e repentina, tampouco surgiu como mera resposta à crise decorrente da quebra da Bolsa de Valores de Nova York. Tratou-se, pelo contrário, de um típico processo de construção político-intelectual, fruto da realidade brasileira e da consciência gradual de determinados atores de sua elite em relação à situação de atraso em que vivia o País, uma nação que havia pouco se reconhecia como tal”, afirmam os autores.

Quase um século depois, o País enfrenta novamente o desafio de se definir como nação para emergir do “projeto de destruição” que constitui o neoliberalismo, nas palavras de Leda Paulini (USP) no livro. “O golpe de 2016 tinha objetivo claro: completar o trabalho que começara no Brasil no início dos anos 1990 e que teria ficado a meio caminho. A ponte parou o Futuro, do conspirador e traidor Michel Temer, é um programa neoliberal puro-sangue (nos dois sentidos, com e sem hífen), ou seja, sem os atenuantes sociais dos governos do PT. A inquietação que cozinhava em fogo brando desde as manifestações de 2013 escancarou o espaço político, no início de 2016, para pôr um ponto final a esta sorte de ‘neoliberalismo progressista de Estado’ (com o perdão da heterodoxia), que estava no poder desde 2003”, afirma ela. Para José Luís Fiori (UFRJ), quando o País começou a desapontar como potência, as elites se acovardaram, recuaram e optaram pelo golpe e pelo apoio a um governo paramilitar e de extrema-direita. Fiori lembra que as velhas oligarquias agrárias e as elites financeiras invejavam o modelo agrário-exportador argentino e, depois, quando esse declínio, passaram a elogiar o canadense. “É o mesmo sonho que ainda embala as cabeças dos empresários e banqueiros que financiaram e que ainda sustentam o governo do capitão Bolsonaro.” Segundo ele, agora, essa ideia rem uma dimensão mais assustadora: transformar o Brasil em protetorado militar dos Estados Unidos. “Uma traição que deixará sua marca na história do Brasil, causando um dano irreparável à autoestima do povo brasileiro, a menos que ele se levante e volte a caminhar com suas próprias pernas”, alerta.

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