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Vida e morte do abolicionista Luiz Gama em três atos

Advogando com maestria, ele conseguiu libertar mais de 700 escravizados

Artigo escrito por Vicente Vilardaga, e publicado pelo jornal 'Folha de São Paulo', no dia 05 de agosto de 2024. Confira aqui.

Nenhum abolicionista foi tão efetivo na sua ação política e na luta pela libertação dos escravos como Luiz Gama. Com seu trabalho advocatício em São Paulo e amparando-se em regras vigentes e não cumpridas, como a Lei Feijó, de 1831, que proibiu a importação de africanos no Brasil, ele foi capaz de tirar os grilhões de mais de 700 pessoas escravizadas.

Seu papel foi civilizatório e seu combate às injustiças de um sistema cruel, permanente. Gama é hoje o maior símbolo da luta contra o racismo e pela igualdade de direitos entre negros e brancos no país.

Ele começou sua trajetória antiescravagista conquistando a própria liberdade judicialmente. Nascido em 1830, em Salvador (BA), era filho de mãe negra livre e pai branco. Foi vendido pelo pai ilegalmente como escravo aos 10 anos, por conta de uma dívida de jogo.

Veio para São Paulo e até os 17 anos era analfabeto, mas rapidamente começou a desenvolver um trabalho intelectual e a enfrentar a opressão imperial. Com 20 anos pleiteou uma vaga na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Com 35 já era um jornalista e escritor respeitado.

Sem diploma de advogado, mas com autorização para apresentar causas em foro, era o que se chamava de rábula. Gama venceu centenas de processos e tornou-se conhecido pela consistência de seu discurso e por sua potência literária que o fizeram angariar a simpatia de muitos intelectuais no seu tempo.

Sofria, porém, ataques constantes de opositores e teve que superar muitos obstáculos para se impor como pensador da sociedade e da cultura.

Os traços da vida de Luiz Gama em São Paulo desapareceram. Mas um lugar que ele, de fato, frequentou foi o Largo São Francisco.

Embora não tenha sido admitido formalmente no curso de Direito, assistia aulas como ouvinte, frequentava a biblioteca e tinha vários interlocutores e amigos entre os alunos. Em 2021, Gama recebeu o título póstumo de doutor "honoris causa" da USP.

Outros locais de referência de Gama são o Largo do Arouche, onde há um busto em sua homenagem, e o Cemitério da Consolação, lugar de seu túmulo. Consta que seu enterro, no dia 25 de agosto de 1882, reuniu uma multidão raras vezes vista na cidade.

Na ocasião, o médico Clímaco Barbosa, abolicionista, republicano e negro, como Gama, convocou as pessoas a jurarem sobre o cadáver que não deixariam morrer a ideia pela qual "combatera aquele gigante". Nas palavras do escritor Raul Pompeia, que presenciou o episódio, todos os presentes juraram.

Quem quiser saber mais sobre esse grande brasileiro terá oportunidade, neste mês, de acompanhar a Caminhada Luiz Gama, que se repete há 11 anos e é organizada em três atos. O primeiro, "Aurora", aconteceu do dia 21 de junho, data do nascimento do herói abolicionista.

Houve uma roda de conversas e o lançamento pelo Instituto Tebas de Educação e Cultura da primeira parte de uma websérie chamada "Caminhada Luiz Gama Imortal".

O segundo ato, "A Palavra" está previsto para acontecer nos dias 17 e 24 de agosto no Sesc Consolação, com palestras de Cinthia Gomes, Oswaldo Faustino, Ligia Fonseca Ferreira e Bruno Rodrigues de Lima, que lançou recentemente o livro "Luiz Gama Contra o Império: A Luta Pelo Direito no Brasil da Escravidão".

Lima, que também é responsável pela edição das obras completas de Gama, com onze volumes, amplifica a importância histórica do personagem e diz que ele levou adiante um projeto abolicionista radical, sem concessões aos senhores e sem negociação.

Conta também que ele foi o primeiro homem negro a publicar um livro de poesia no Brasil e criou um jornal chamado "Democracia" no qual assinava os textos com o pseudônimo Afro.

O terceiro ato do evento em homenagem a Gama foi batizado de "Ocaso" e prevê, no dia 25, uma caminhada do Brás, onde o abolicionista morava, até o Cemitério da Consolação, reproduzindo a experiência de seu cortejo fúnebre. No cemitério será reafirmado o juramento proposto por Clímaco Barbosa. Ao final da jornada serão feitas intervenções artísticas diante do busto no Largo do Arouche.

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