O termo cunhado pela filósofa espanhola Adela Cortina refere-se à “aversão ao pobre”
Por trás do ódio classista, a distopia ultraliberal de só quem se senta à mesa do consumismo é humano. Combater essa lógica vai além de valores éticos e solidários.
Aporofobia e hiperconsumismo. Os termos usados neste artigo talvez possam parecer estranhos, e de fato o são, principalmente pela sua falta de uso. Não tanto a palavra hiperconsumismo, que na sua conjunção de termos nos dá uma dica sobre o que pretende nomear. Porém, a primeira palavra, aporofobia, ainda nos é pouco conhecida, trata-se de um termo novo, recém-criado, que se fazia necessário pois, se queremos identificar algo, precisamos nomear esse algo. É a partir deste conceito que a filósofa espanhola Adela Cortina desenvolveu o termo aporofobia, formado pela junção dos termos gregos, Á-poros: pobre e fobéo: aversão) isto é, a palavra tem o objetivo de identificação tanto um sentimento, quanto uma ação, ou seja, a aversão ao pobre. A filósofa detalha a necessidade da criação do termo em seu livro Aporofobia, a aversão ao pobre, um desafio para a democracia, em virtude de um fenômeno cada vez mais observado em nossa sociedade, a descriminação e repulsa ao pobre, ao desprovido de recursos materiais. Fenômeno este cada vez mais saliente em vários países e que não é diferente, pelo que podemos constatar, aqui no Brasil.
Já o termo hiperconsumismo é bem desenvolvido pelo filósofo francês Gilles Lipovetsky em que apresenta a ideia de que a nossa sociedade está extremamente centrada no consumo como sentido para o ser. Na sociedade contemporânea o sentido do ser está vinculado ao ter, ao consumir e ao produzir, isto é, é necessário ser produtivo e consumir para apresentar-se como relevante, como indivíduo, cidadão. Inclusive devemos ser produtivos em consumir, em ter novas experiências e emoções, tudo de forma rápida e superficial, pois há outros bens a consumir e novas experiências por se experimentar. Tudo isto passa a imagem que o indivíduo é o único responsável pelo seu êxito, mas também acaba deixando-o desamparado, frustrado e ansioso, enquanto suas redes sociais mostram seus conhecidos com vidas aparentemente mais satisfatórias, aliás, não há mundo mais feliz do que aquele representado em nossas redes sociais.
Após compreendermos estes dois termos é que podemos constatar que são dois lados da mesma moeda. Moeda esta que representa um dos problemas de nossa sociedade contemporânea, que se retroalimentam, uma profunda alienação do sentido da vida. Como se opta por ignorar uma estrutura social absurdamente injusta, o pobre é visto como o único responsável pela sua pobreza, aquele que não teve capacidade ou não desejou contribuir para sua evolução material, incapaz desta forma de inserir-se na sociedade de consumo. Assim o termo aporofobia representa esta crescente discriminação e, por vezes, com um discurso de ódio contra o desfavorecido, que já não é compreendido como um problema da sociedade, mas sim um problema para a sociedade, e que agora se apresenta inclusive como um inimigo do Estado que tem como objetivo não reduzir as desigualdades sociais, mas desaparecer como o pobre, pelo menos da vista dos demais. É assim que políticas públicas que visam a inclusão social são substituídas por implantação de pedras embaixo de viadutos para impedir que sem tetos possam passar a noite, com o mínimo de abrigo, que mendigos que dormem perto de comércios são molhados durante a noite para afugentá-los. O Estado, ao agir de forma desumana, legitima a aporofobia e tende a diminuir a solidariedade e aprofundar a visão discriminatória do pobre na sociedade. Estes conceitos com relação ao pobre e o valor “inquestionável” do consumismo tendem a representarem uma visão de mundo alicerçada por um conceito de meritocracia impossível de existir em uma sociedade com abismos sociais tão profundos.
Ao conseguirmos nomear este fenômeno é dado o primeiro passo para entender o problema e buscarmos uma solução. Solução está que passa indubitavelmente por políticas públicas de longo prazo para a população de rua e de diminuição da pobreza, mas também de educação social, de aprimoramento ético e solidário da sociedade, sem a qual corremos o risco de repetir alguns horrores de um passado não muito distante.