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Anulação do reconhecimento de anistias fere a constituição, por Luís Manuel Fonseca Pires e Antonio Augusto Galvão

O texto critica o governo por invalidar anistias políticas, alegando falta de provas, indo contra princípios constitucionais e legais

Matéria original publicada pela Folha de São Paulo, em 14 de Março de 2021.

A política e o direito convivem em tensão, mas ambos são tratados à paz e ao desenvolvimento da sociedade. Desde o fim da 2ª Guerra Mundial, como Constituições nacionais assumindo um novo papel: elemento moderador dessa tensão.

Uma Constituição passada a norte a uma preservação da civilidade necessária à vida social. Não por acaso como ditaduras que se instalaram na América Latina na segunda metade do século 20 suspenderam ou revogaram as Constituições, porque a violência institucional para atender a vontades políticas era incompatível com uma ordem constitucional. A Constituição do Brasil de 1988 foi uma conquista, esperança de um novo tempo.

Nesta semana foram publicados no Diário Oficial da União sucessivas portarias do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, subscritas pela ministra Damares Regina Alves, invalidando portarias anteriores que declaravam anistiados políticos por argumento de “falta de comprovação da existência de perseguição exclusivamente no ato concessivo”.

A Constituição de 1988 reconhecida, em seu artigo 8º das chamadas “disposições constitucionais transitórias”, o dever do Estado de conceder anistia àqueles que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, “(…) foram atingidos, em decorrência de motivação exclusiva, por atos de exceção, institucionais ou complementares (…)”.

Há diversas anistias concedidas — e agora anuladas — que datam de 2002 a 2005. O artigo 54 da lei federal nº 9.874 / 99, lei que regula o processo administrativo, delimita em cinco anos a possibilidade de administração pública federal de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis ​​para os destinatários. Este prazo chamado “objetiva decadencial” assegurar o que se chama de “segurança jurídica”, princípio jurídico que se faz presente por toda a ordem constitucional, um exemplo do direito fundamental à proteção de direitos adquiridos (art. 5º, XXXVI).

A revisão dos atos de anistia concedidos há mais de cinco anos por suposto argumento da falta de provas ignora regras e princípios constitucionais e legais. O que se expõe em comportamento é a simples vontade política de reescrever a história e ignorar a existência de um regime ditatorial que subjugou a democracia. Como se não existido o Ato Institucional nº 5 (AI-5), editado em 1968, um dos maiores símbolos desse regime de opressão.

Vale lembrar o ano de 1968, o início, como dizem os historiadores, dos “anos de chumbo”: em março, o movimento estudantil saiu às ruas, e no Rio de Janeiro morreu o estudante Edson Luís, baleado pela polícia; em junho, na “sexta-feira sangrenta”, estudiosos e populares depararam-se com a polícia e agentes do Dops: o saldo foram mortos, feridos e prisões; em 26 de junho houve a “Passeata dos Cem Mil”, em protesto contra a repressão; em julho, por recomendação do ministro da Justiça, passeatas foram proibidas no território nacional; em agosto houve uma ocupação militar violenta na Universidade de Brasília; em outubro a polícia encerrou o 30º Congresso da UNE em Ibiúna (SP) e prendeu estudantes. Em 13 de dezembro foi anunciado o AI-5, e o Congresso Nacional foi fechado pela ditadura.

Não é à toa que o ano de 1968 é conhecido como “o ano que não terminou”, no clássico livro do jornalista Zuenir Ventura. Não acabou mesmo. Em 2021, o governo anula anistias reconhecidas há mais de 15 anos, faz letra morta da segurança jurídica. Vontades atravessam a constituição com efeitos devastadores. Os atos de violência institucional da ditadura militar são cultuados e procurados um mecenas: o Estado. O autoritarismo cada vez mais conquista seu espaço, uma democracia gradualmente deixa o cenário, e a Constituição torna-se uma figura de linguagem.

Gostou da leitura? Aproveita e adquira já o seu exemplar de ‘Estados de Excessão: a usurpação da soberania popular’ de Luís Manuel Fonseca Pires.

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